segunda-feira, 23 de junho de 2008
quarta-feira, 18 de junho de 2008
Mensagem do vento
Do escritório ele podia ver pela janela o movimento dos carros e pedestres na avenida marginal ao rio. Olhou no relógio: três horas e trinta e cinco minutos da tarde. O sol iluminava impiedosamente a paisagem. O ventilador estava ligado, soprava um ar fraco e quente que apenas fazia o mormaço circular pelo cômodo. Deitou a cabeça sobre a mesa, ainda olhava pela janela. Havia uma praça e um monumento à sua frente, na verdade um monólito, erguido pela maçonaria da cidade. Uma menininha passou pela janela e lhe disse oi, ele respondeu monótono, e ela se foi. Suspirou profundamente – Eita terça-feira que não acaba!
De repente o vento começou a mudar, soprava gradativamente mais forte, balançava as copas das árvores na praça, e as folhas secas, já por meados do outono, arrancadas dos galhos e levadas pela ventania; nenhuma nuvem no céu. Saiu do escritório e foi para a rua, como gosta de vento não podia deixar de se expor àquele sopro repentino. É como se dele viesse uma força que revigora e impulsiona, mas também é como se o rompante que ele causa na inércia da paisagem o acalmasse. Pois o que pode se dizer do vento se não que ele é o espírito da Terra. E quando falo em espírito não digo alma, e sim falo em vida. A vida em essência é um movimento que não se vê, mas que se sente; no ambiente físico, estático, é o vento que se move. E a percepção de seu movimento pelo corpo é a confirmação de que se está vivo.
E sentir a vida confirmada por um agente da natureza, traz a tranqüilidade que muitos buscam. Em meio às tribulações cotidianas, nos esquecemos de sentir a vida e apenas a vivemos em negro, desprezando nossos atos natos. Substituímos nossas vontades e atitudes naturais por gestos impróprios ao que somos. O que ocorre é que nos deixamos conduzir pelas circunstâncias que a sociedade cria. E diante das circunstâncias agimos como esperam que ajamos; nem sempre fazemos o que queremos. E na tentativa de justificar a sublimação do que somos, dizemos a nós que estamos sendo racionais. Não há que se confundir racionalidade com negação ao eu, não há que se justificar essa agressão à essência, e sim há que se ter coragem de assumir o crime: eu mato o meu eu.
E ali parado diante do monólito e da praça, ele pode ouvir as portas das casas batendo: era o vento entrando sem cerimônia e movendo a matéria imóvel. Fechou os olhos e abriu os braços, como o gesto de quem se prepara para um abraço ou de quem se entrega. Ele se entregava para o vento, e queria que ele o agarrasse e o levasse não sei para onde, ele queria apenas ir. E o vento o faria voar. Se eu pudesse voar... se eu pudesse voar eu voaria para qualquer lugar, o vento seria meu guia, assim eu estaria me permitindo ser imprevisível; e viveria de acasos, sem fronteiras: seria livre. Iria para a cidade vizinha, para outros países, atravessaria os oceanos, sobrevoaria os desertos...
Abriu os olhos. E como um flash, passou diante de seus olhos um pedaço rasgado de papel soprado pelo vento. Correu para alcançá-lo, pegou. Analisou: estava um pouco sujo e trazia consigo uma carga de tristeza evidente pelos sinais das rasgaduras, profundas como um corte de uma adaga. Havia algo escrito: “E talvez o que me impossibilitava de ver as coisas como realmente eram fosse a ausência de uma perspectiva lógica. Os sentimentos e as vontades não são racionais , e em mim eles falam mais alto do que minha voz, e eles eram o referencial de minha perspectiva. Eu não agia pela lógica, eu agia por instinto.” Essas palavras, tão profundas e reflexivas só podem ter sido escritas por alguém se questionou sem medo da resposta que viria de seu próprio interior. Não creio que eu teria coragem de me questionar tão intimamente.
“Não poderia dizer que eu assumia uma posição errônea ao me deixar guiar pelos meus desejos. Nem tão pouco posso me permitir dizer que estava vivendo uma alucinação ou uma mentira. O que é verdade é aquilo no que acreditamos, e eu acreditava no que sentia. Pois só sentindo é que podemos perceber o que nos ocorre. Sentir é a única maneira de ter a prova de que algo é real, e eu sentia. E o que eu sentia era o que eu queria; então para mim era real. E era também correto, pois eu sei que me traria satisfação e alegria. E a vida existe para ser preenchida de realização de desejos, desde que estes não violem a própria existência...” Entendeu essas palavras como uma súplica por liberdade - Provavelmente é uma carta de um suicida. Uma mensagem jogada ao vento.
“E se quiserem me privar de ter o que quero ou ser o que sou, não me resta alternativa se não...” E a carta termina ai. Não sei qual era a alternativa: talvez fosse mesmo um suicídio ou quem sabe um assassinato. Mas pode ser que seja algo que não envolva um fim e sim um recomeço: talvez seja a decisão por uma nova vida. – Em todo caso espero que o emitente da carta tenha optado por sua liberdade. E que ele tenha tomado a decisão que lhe permita viver e não apenas existir. E se o que ele decidiu foi a morte não o recrimino. Morrer por vontade própria é se jogar em um abismo desconhecido, pois quais certezas temos sobre a morte? A única que é evidente é que a vida, como a conhecemos e sentimos, para; o resto é mistério. E julgar um suicida como fraco ou criminoso é uma violação à sua individualidade.
Então ele notou que o vento tinha parado e agora voltava a soprar. E quando ele atingiu a velocidade da ventania anterior abandonou o papel no ar. E como uma folha seca arrancada de um galho ele voou para longe de sua mão, e foi levado não sei para onde, não sei para quem. Ele permitiu que a mensagem seguisse seu destino. Uma mensagem do vento. Sentou-se na calçada e se perguntou: o que eu faria para ter a liberdade que tanto quero? Acho que sei a resposta, a minha resposta – concluiu- Cada um tem a sua resposta, pois as liberdades e suas questões são diferentes: elas variam assim como as personalidades, as perspectivas, as verdades. E não há como definir uma resolução geral.
- Como fazer para ser livre? Perguntou-lhe a menininha que lhe cumprimentara mais cedo, sentando-se ao seu lado.
-Depende do que lhe priva de ser livre. Respondeu surpreso, se perguntando de onde ela viera.
-Hum... acho que entendi-disse conclusiva- As vezes as pessoas criam suas próprias correntes que lhe impedem de andar.Ou ao invés de criá-las, elas lhes são oferecidas e as pessoas aceitam. E aceitar a privação que lhe é imposta é furtar de si a própria humanidade. E impor alguém que use correntes é violar a lei divina do livre arbítrio, da liberdade. Estou certa?
- Sim - respondeu solene – Sabe menininha, a liberdade é algo perigoso. É necessário que se tenha bastante controle de sua natureza para que se possa desfrutá-la. Enfim, acabei de dizer que ela não existe de fato... contraditório.
-Olha, rapaz- falou sem olhar para ele- Você pode ser livre sim, assim como eu e todos os outros... não sei como não vi isso antes ... mas nenhuma liberdade será infinita, pois no pouco espaço que dividimos não caberiam tantas asas ruflando ao vento. Podemos voar, mas sempre respeitando o espaço alheio.
-Entendo...
Olhou para o lado, a meninha já ia embora, estava longe, e ficava cada vez mais longe. Assim como o papel que lançara ao vento com a mensagem de alguém que quis ser infinitamente livre.
De repente o vento começou a mudar, soprava gradativamente mais forte, balançava as copas das árvores na praça, e as folhas secas, já por meados do outono, arrancadas dos galhos e levadas pela ventania; nenhuma nuvem no céu. Saiu do escritório e foi para a rua, como gosta de vento não podia deixar de se expor àquele sopro repentino. É como se dele viesse uma força que revigora e impulsiona, mas também é como se o rompante que ele causa na inércia da paisagem o acalmasse. Pois o que pode se dizer do vento se não que ele é o espírito da Terra. E quando falo em espírito não digo alma, e sim falo em vida. A vida em essência é um movimento que não se vê, mas que se sente; no ambiente físico, estático, é o vento que se move. E a percepção de seu movimento pelo corpo é a confirmação de que se está vivo.
E sentir a vida confirmada por um agente da natureza, traz a tranqüilidade que muitos buscam. Em meio às tribulações cotidianas, nos esquecemos de sentir a vida e apenas a vivemos em negro, desprezando nossos atos natos. Substituímos nossas vontades e atitudes naturais por gestos impróprios ao que somos. O que ocorre é que nos deixamos conduzir pelas circunstâncias que a sociedade cria. E diante das circunstâncias agimos como esperam que ajamos; nem sempre fazemos o que queremos. E na tentativa de justificar a sublimação do que somos, dizemos a nós que estamos sendo racionais. Não há que se confundir racionalidade com negação ao eu, não há que se justificar essa agressão à essência, e sim há que se ter coragem de assumir o crime: eu mato o meu eu.
E ali parado diante do monólito e da praça, ele pode ouvir as portas das casas batendo: era o vento entrando sem cerimônia e movendo a matéria imóvel. Fechou os olhos e abriu os braços, como o gesto de quem se prepara para um abraço ou de quem se entrega. Ele se entregava para o vento, e queria que ele o agarrasse e o levasse não sei para onde, ele queria apenas ir. E o vento o faria voar. Se eu pudesse voar... se eu pudesse voar eu voaria para qualquer lugar, o vento seria meu guia, assim eu estaria me permitindo ser imprevisível; e viveria de acasos, sem fronteiras: seria livre. Iria para a cidade vizinha, para outros países, atravessaria os oceanos, sobrevoaria os desertos...
Abriu os olhos. E como um flash, passou diante de seus olhos um pedaço rasgado de papel soprado pelo vento. Correu para alcançá-lo, pegou. Analisou: estava um pouco sujo e trazia consigo uma carga de tristeza evidente pelos sinais das rasgaduras, profundas como um corte de uma adaga. Havia algo escrito: “E talvez o que me impossibilitava de ver as coisas como realmente eram fosse a ausência de uma perspectiva lógica. Os sentimentos e as vontades não são racionais , e em mim eles falam mais alto do que minha voz, e eles eram o referencial de minha perspectiva. Eu não agia pela lógica, eu agia por instinto.” Essas palavras, tão profundas e reflexivas só podem ter sido escritas por alguém se questionou sem medo da resposta que viria de seu próprio interior. Não creio que eu teria coragem de me questionar tão intimamente.
“Não poderia dizer que eu assumia uma posição errônea ao me deixar guiar pelos meus desejos. Nem tão pouco posso me permitir dizer que estava vivendo uma alucinação ou uma mentira. O que é verdade é aquilo no que acreditamos, e eu acreditava no que sentia. Pois só sentindo é que podemos perceber o que nos ocorre. Sentir é a única maneira de ter a prova de que algo é real, e eu sentia. E o que eu sentia era o que eu queria; então para mim era real. E era também correto, pois eu sei que me traria satisfação e alegria. E a vida existe para ser preenchida de realização de desejos, desde que estes não violem a própria existência...” Entendeu essas palavras como uma súplica por liberdade - Provavelmente é uma carta de um suicida. Uma mensagem jogada ao vento.
“E se quiserem me privar de ter o que quero ou ser o que sou, não me resta alternativa se não...” E a carta termina ai. Não sei qual era a alternativa: talvez fosse mesmo um suicídio ou quem sabe um assassinato. Mas pode ser que seja algo que não envolva um fim e sim um recomeço: talvez seja a decisão por uma nova vida. – Em todo caso espero que o emitente da carta tenha optado por sua liberdade. E que ele tenha tomado a decisão que lhe permita viver e não apenas existir. E se o que ele decidiu foi a morte não o recrimino. Morrer por vontade própria é se jogar em um abismo desconhecido, pois quais certezas temos sobre a morte? A única que é evidente é que a vida, como a conhecemos e sentimos, para; o resto é mistério. E julgar um suicida como fraco ou criminoso é uma violação à sua individualidade.
Então ele notou que o vento tinha parado e agora voltava a soprar. E quando ele atingiu a velocidade da ventania anterior abandonou o papel no ar. E como uma folha seca arrancada de um galho ele voou para longe de sua mão, e foi levado não sei para onde, não sei para quem. Ele permitiu que a mensagem seguisse seu destino. Uma mensagem do vento. Sentou-se na calçada e se perguntou: o que eu faria para ter a liberdade que tanto quero? Acho que sei a resposta, a minha resposta – concluiu- Cada um tem a sua resposta, pois as liberdades e suas questões são diferentes: elas variam assim como as personalidades, as perspectivas, as verdades. E não há como definir uma resolução geral.
- Como fazer para ser livre? Perguntou-lhe a menininha que lhe cumprimentara mais cedo, sentando-se ao seu lado.
-Depende do que lhe priva de ser livre. Respondeu surpreso, se perguntando de onde ela viera.
-Hum... acho que entendi-disse conclusiva- As vezes as pessoas criam suas próprias correntes que lhe impedem de andar.Ou ao invés de criá-las, elas lhes são oferecidas e as pessoas aceitam. E aceitar a privação que lhe é imposta é furtar de si a própria humanidade. E impor alguém que use correntes é violar a lei divina do livre arbítrio, da liberdade. Estou certa?
- Sim - respondeu solene – Sabe menininha, a liberdade é algo perigoso. É necessário que se tenha bastante controle de sua natureza para que se possa desfrutá-la. Enfim, acabei de dizer que ela não existe de fato... contraditório.
-Olha, rapaz- falou sem olhar para ele- Você pode ser livre sim, assim como eu e todos os outros... não sei como não vi isso antes ... mas nenhuma liberdade será infinita, pois no pouco espaço que dividimos não caberiam tantas asas ruflando ao vento. Podemos voar, mas sempre respeitando o espaço alheio.
-Entendo...
Olhou para o lado, a meninha já ia embora, estava longe, e ficava cada vez mais longe. Assim como o papel que lançara ao vento com a mensagem de alguém que quis ser infinitamente livre.
quarta-feira, 4 de junho de 2008
...
... e até os óculos pesavam, o ar também pesava. A voz da professora pesada ecoava pesada pela sala. Estava cansado, e era um cansaço de descanso difícil -fatigado!- Era uma fadiga na alma.
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